Elen e Jonatan tiveram finais trágicos após reproduzir o gesto, um em suas redes e o outro durante um evento
Um simples e inocente sinal com as mãos foi capaz de decretar, de forma arbitrária e frívola, sentenças violentas de morte no Estado. Dois casos ganharam destaque na imprensa e chocaram a população mato-grossense.
A jovem Elen Nascimento Silva, de 21 anos, e o técnico em agropecuária Jonatan Roberto Garcia Parpinelli, de 36, tiveram, pelo mesmo motivo, um final trágico.
Ambos fizeram o sinal de “3” com as mãos, símbolo que representa a organização criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), e foram executados por membros do CV (Comando Vermelho).
Ela já tinha feito, há cerca de dois meses, o símbolo e tinha sido avisada. Antes do desaparecimento, ela repetiu o gesto e isso teria sido motivo suficiente para que o Comando Vermelho decretasse a sua morte
Nenhuma das vítima tinha envolvimento com a organização rival.
Sinal em vídeo de Tik Tok
Com planos de sair de viagem Elen desapareceu na noite de 19 de abril, deixando as malas para trás. O sumiço dela foi registrado no dia seguinte por sua mãe. Já o corpo foi encontrado no dia 22 de abril, em uma estrada na zona rural de Brasnorte.
Durante as investigações, a Polícia descobriu que a jovem fez o sinal em um vídeo postado na rede social Tik Tok. Segundo o delegado Eric Márcio Fantin, ela já havia se relacionado com membros do Comando Vermelho e era amiga de alguns deles nas redes sociais.
“Ela já tinha feito, há cerca de dois meses, o símbolo e tinha sido avisada. Antes do desaparecimento, ela repetiu o gesto e isso teria sido motivo suficiente para que o Comando Vermelho decretasse a sua morte”, afirmou o delegado.
Pouco depois de postar o vídeo, Elen teria apagado a publicação, mas não a tempo de evitar que os membros do CV vissem. “Por isso cremos que foi na inocência. Ela apagou minutos depois a postagem”, salientou.
Cinco dos oito investigados pelo crime foram presos, ainda no início das investigações, incluindo o mandante do crime.
Cinco denunciados e dinâmica do crime
O Ministério Público Estadual (MPE) apresentou denúncia contra cinco envolvidos no homicídio de Elen.
O documento foi protocolado no dia 12 de maio, e nele foram denunciados Erick Vinicius Colen Felix; Ryan Aparecido Correa Da Silva; Ueslen Gonçalves Barros; Mateus Lino Ramos e Luiz Rafael De Oliveira. Todos são membros da facção rival ao PCC, Comando Vermelho.
O MPE ainda citou a participação de uma adolescente e de um homem.
Na denúncia, o promotor Álvaro Schiefler Fontes afirmou que o assassinato da vítima foi cometido por “vingança” e acrescentou três qualificadoras ao homicídio: motivo fútil, emprego de meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima.
“Atuando por vingança, em represália à vítima Elen, que em data anterior teria feito um vídeo no “tiktok” sinalizando apoio à facção rival “PCC” (motivo fútil), reuniram-se para lhe dar um “salve” – penalidade na linguagem criminosa”, descreve o MPE na denúncia.
Segundo o documento, a vítima foi atraída até a residência de Mateus Lino, onde também estavam Luiz Rafael, Erick, Ryan e uma adolescente.
No imóvel, Elen foi amarrada e vendada e, posteriormente, foi levada pelo grupo em um carro conduzido por Ueslen até a Estrada do Perobal, onde foi assassinada.
Ela foi morta com quatro tiros, dois disparos foram realizados por Ryan e outros dois por Luiz.
A promotoria pediu que os denunciados fossem julgados e condenados e que fosse fixado valor mínimo a título de indenização para reparação dos danos morais causados aos familiares de Elen.
Sinal em foto durante festa
Quatro meses depois, em 14 agosto, foi a vez do técnico em agropecuária Jonatan sofrer o mesmo fim. Ele foi morto por membros do CV durante um baile funk no Parque de Exposições de Diamantino.
Durante o evento, conforme o boletim de ocorrência, um grupo de pessoas fez o gesto de três com as mãos e Jonatan ainda teria tirado uma foto fazendo o gesto, o que teria irritado os integrantes da facção presente no evento.
“Vocês são do PCC? Querem perder a cabeça aqui?”, teria alertado um dos homens.
Houve uma confusão generalizada que foi contida pelos seguranças da festa e se reiniciou do lado de fora do evento. Jonatan foi alvejado com três tiros nas costas e foi agredido mesmo estando caído no chão.
Comoção nas redes
Segundo o delegado Marcos Bruzzi, Jonatan não tinha e nem teve relação alguma com nenhuma facção criminosa. Os membros do CV apenas estavam no mesmo camarote que ele e deduziram que ele seria do PCC.
Até mesmo desconhecidos ficaram revoltados com a morte do técnico por um motivo tão banal.
“Às vezes o cara nem sabe o que significa isso. Eu mesma nem sabia. Credo! Esse mundo anda torto mesmo”, dizia uma das publicações nas redes sociais.
Outra, em que a pessoa alegava também não saber que aquele seria o símbolo do PCC, afirmou: “Eu morreria fácil”.
Uma amiga compartilhou a foto que motivou o crime e disse: “Era só uma pose para a foto, isso não significa nada”.
“Meu Deus, eu achava que era um símbolo de paz e amor”, publicou. “Um simples gesto já é sentença de morte”.
Família destruída
A mãe do rapaz, a professora Maria Lucia Garcia, descreveu o filho caçula como um homem sonhador e amoroso. “Meu caçula e o amor da minha vida. Era muito amoroso comigo, de me dar beijo todo dia, não dá pra me conformar”, disse.
Ele havia voltado recentemente do Paraná após o término de uma relação, e morava com a mãe em Arenápolis – cidade vizinha de onde o crime aconteceu.
Eu não consigo nem descrever. Só uma mãe que já perdeu o filho sabe a dor que estou sentindo. Uma pessoa que tinha tantos sonhos e uma pessoa do nada vem e tira o meu filho
Jonatan estava prestes a inaugurar a hidroponia – tipo de viveiro – batizada como “Sonho Meu”. Desde que voltou a morar no Estado, e antes mesmo da sua chegada, ele vinha trabalhando no projeto.
“Eu não consigo nem descrever. Só uma mãe que já perdeu o filho sabe a dor que estou sentindo. Uma pessoa que tinha tantos sonhos e uma pessoa do nada vem e tira o meu filho”.
Por amigos, muitos deles de longa data, o rapaz foi descrito como uma pessoa do bem, trabalhadora.
“Infelizmente mais uma pessoa do bem que não tinha nenhum vínculo com facções, nem com crime. Apenas um gesto numa foto e fizeram essa maldade. Saudades, meu mano. Vai ficar no coração e nas memórias nossa amizade”, dizia uma das mensagens.
Menor confessou crime
Um adolescente de 16 anos foi apreendido pela Polícia Civil, no dia 19 de agosto, depois de confessar a autoria do crime.
Em seu depoimento, o menor detalhou como ocorreu a morte de Jonatan.
“Quando a vítima e seu amigo foram urinar foram abordadas por elementos do Comando Vermelho. Em torno de sete pessoas começaram uma briga corporal e um deles em posse de uma arma de fogo calibre 32, sacou esse revólver e efetuou três disparos nas costas de Jonatan”, detalhou o delegado Marcos Bruzzi.
O delegado ainda contou que o menor havia sido apreendido dias antes do crime por envolvimento com extorsão e tráfico de drogas.
No entanto, a Justiça determinou sua soltura no dia 12 daquele mês por entender que ele não estava envolvido em crimes sem violência. Foi na manhã de domingo (14), que o jovem matou o técnico em agropecuária.
Outros registros
Um homem de 32 anos e duas adolescentes, de 15 e 17, foram sequestradas por membros do Comando Vermelho no dia 31 de outubro. O trio foi levado para um lixão, em Arenápolis, onde foram sentenciados à morte.
Conforme informações, uma das jovens foi encontrada morta, outra foi localizada ensanguentada e o homem conseguiu fugir.
A suspeita é de que o crime aconteceu após uma das adolescentes ter postado nas redes sociais uma foto onde aparece fazendo o sinal “3”.