Na última quarta-feira (28), o presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou a lei que regulamenta a telessaúde no Brasil. Com isso, o atendimento médico remoto, que havia sido autorizado em caráter de emergência na pandemia, passa a ser uma das opções de cuidado da população.
No entanto, algumas dúvidas permanecem entre os brasileiros: como a nova lei vai interferir no dia a dia das pessoas? O paciente é obrigado a aceitar a teleconsulta? Quais especialidades de saúde podem ser oferecidas a distância? Outros países também usam essa modalidade de atendimento? Por que essa lei só surgiu agora?
Durante a pandemia, o atendimento médico ficou conhecido como telemedicina, mas a lei sancionada se refere à telessaúde, o que significa um atendimento mais amplo e com abrangência em outras áreas também.
Sendo assim, os atendimentos, como de enfermagem e psicologia, também poderão ser realizados a distância. De acordo com a lei, “a telessaúde abrange a prestação remota de serviços relacionados a todas as profissões da área da saúde regulamentadas pelos órgãos competentes do Poder Executivo federal.”
Para o presidente da AMB (Associação Médica Brasileira), o ginecologista e obstetra César Eduardo Fernandes, com consentimento de paciente e médico, todos os atendimentos podem ser realizados por meio da tecnologia.
“Em princípio, [a teleconsulta] pode ser feita por qualquer especialidade médica sempre a depender do que médico e paciente entendem como apropriado. Como podem também considerar que o propósito dessa consulta não pode conseguido com uma teleconsulta e, portanto, isso deve ser revertido para uma consulta presencial”, explica o médico.
O gerente médico sênior da rede de clínicas particulares dr.consulta, Felipe Vigarinho, acrescenta que algumas consultas são ainda mais apropriadas ao serviço online. “Atendimentos com clínico geral, para uma primeira triagem dos pacientes, psiquiatria e psicologia são especialidades que funcionam muito bem com atendimentos online”, assegura.
A telemedicina surgiu na década de 1960, e os primeiros registros foram no Hospital Geral de Massachusetts, nos EUA. Na época, o hospital se conectava ao centro de emergência médica do aeroporto de Boston. Quase 10 km separavam os dois lugares.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) reconheceu a modalidade no começo dos anos 90. No Brasil, nos períodos mais duros de pandemia, em que era necessário manter o distanciamento social sem descontinuar o atendimento médico, a teleconsulta agilizou os cuidados às pessoas e possibilitou que a população conhecesse melhor o serviço.
Em junho deste ano, quando o Ministério da Saúde anunciou o programa de telemedicina no país, o ministro Marcelo Queiroga ressaltou: “Estou certo de que estamos entrando com um pé firme em uma nova era da medicina. A utilização de tecnologias de informação e comunicação fará a verdadeira revolução no sistema de saúde, trazendo mais acesso, mais eficiência, mais efetividade.”
Entre as facilidades de acesso, será possível que os indivíduos se consultem com profissionais de outras cidades ou estados, já que as receitas e determinações serão aceitas em todo o território nacional.
Pela nova legislação, o médico tem autonomia para decidir se o atendimento pode ser feito via teleconsulta ou não, inclusive com relação à primeira consulta, atendimento ou procedimento.
O mesmo acontece com o paciente, que pode preferir ser atendido presencialmente e recusar o atendimento à distância. Nesse caso, planos de saúde ou SUS terão a obrigação de oferecer o serviço.
Para aceitar ou não fazer o atendimento via internet, para serem atendidos, os pacientes precisam ser informados sobre o que é a teleconsulta, bem como a eficácia e limitações do serviço.
“Para isso, há a necessidade de um documento formal que se chama termo de consentimento livre e esclarecido por meio do qual os pacientes são informados sobre a natureza da consulta, os seus direitos sobre eventuais limitações da teleconsulta e a necessidade eventual, ao final, de transformar a consulta em consulta presencial”, explica Fernandes.
Essa liberdade de pacientes e médicos é um dos principais avanços da legislação, conforme indica o dirigente da AMB. “Cabe ao médico e ao paciente a decisão de fazer ou não a primeira consulta e, findado esse atendimento, dizer se ele foi satisfatório ou não, ou se ele deve ser revertido para uma consulta presencial”, explica.
O acordo entre as duas partes também é citado por Vigarinho. “O uso da consulta online deve ser acordado entre o paciente e o médico, que vai analisar o momento em que é necessário avaliar o paciente presencialmente e quando o acompanhamento online pode ser feito sem comprometer o atendimento”, diz.
A norma determina, ainda, que a fiscalização do exercício profissional e a normatização ética da prestação de serviços cabe aos conselhos federais de fiscalização.
No caso do SUS, a lei determina que devem ser observadas as normas expedidas pelo órgão de direção do sistema — feitas pelos governos federal, estaduais e municipais — no que diz respeito às condições de funcionamento da telessaúde, respeitando as decisões dos demais órgãos reguladores.
Na rede pública de saúde, Marcelo Queiroga afirmou, na época do lançamento do programa, que a telessaúde visa à atenção primária da população e conseguirá atingir as pessoas que moram mais longe dos grandes centros.
“O principal nicho para o uso do telessaúde, uma vez que vai aproximar a atenção especializada da atenção primária à saúde, é evitar deslocamentos que às vezes são complexos em países de dimensões continentais como o Brasil. Vai fazer com que cheguemos a populações esquecidas, como as indígenas em aldeias distantes. A estratégia de saúde digital poderá nos ajudar ampliando acessos, controlando fatores de risco, como hipertensão arterial, diabetes e tabagismo; além de estimular atividades físicas de uma maneira muito mais eficiente do que fazemos hoje”, afirmou o ministro.
Outro ponto que merece destaque na nova regulamentação é a obrigatoriedade de registro das empresas intermediadoras dos serviços médicos, assim consideradas as pessoas jurídicas que contratam, de forma direta ou indireta, profissionais da área médica para o exercício da telemedicina.
Essas empresas intermediadoras devem ter registros no CRM (Conselho Regional de Medicina) do estado em que estiverem sediadas, assim como seus diretores técnicos médicos.
O atendimento a distância é usado em muitos países ao redor do mundo, como Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, França, Austrália, entre outros.
No caso dos Estados Unidos, por exemplo, a prática da telessaúde é regulamentada em nível estadual, seja por estatuto, seja por regulamentos ou diretrizes profissionais aprovadas por órgãos estaduais de licenciamento profissional, como o Conselho de Medicina.
Os estados podem ter diferentes requisitos e padrões, incluindo consentimento informado, métodos de comunicação, critérios de exame apropriado, requisitos de supervisão (por exemplo, de telessaúde realizada por enfermeiras), prescrição remota e requisitos de cobertura em programas estaduais ou por meio de seguro comercial privado.
Já no Reino Unido, onde há um sistema único de saúde, qualquer profissional da área que queira usar a telessaúde deve ter licença e registro apropriados para os serviços de saúde que presta, bem como revisar todas as orientações disponíveis e aplicáveis emitidas sobre as melhores práticas para o fornecimento de serviços remotos, impostas pelos conselhos locais.