“Empresas cujos donos são petistas”. A lista de boicote – como vem sendo chamada -, recentemente, ganhou uma versão mato-grossense com os nomes de 25 estabelecimentos que, segundo a sugestão das mensagens que circulam vias redes sociais, deveriam deixar de ser frequentados por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.
Se você já teve contato com uma mensagem dessa e considerou aderir ao movimento ou não lhe deu a devida importância, especialistas ouvidos pela reportagem do LIVRE alertam: trata-se de uma iniciativa com implicações diretas e indiretas não só para os empresários citados.
“Estamos num Estado em que 7 a cada 10 eleitores apoiaram o presidente Bolsonaro. Essa lista é, sim, perigosa”, pondera o publicitário Frederico Parma.
O especialista em marketing, vê implicações não apenas aos negócios das pessoas jurídicas citadas, mas à economia do Estado como um todo. Já o advogado Suelme Fernandes lembra que pode haver consequências também para quem compartilha o material.
“Cabe a aplicação de uma pena por danos morais contra quem pratica esse tipo de violência. É uma violência simbólica, mas não deixa de ser violência”, avalia.
Liberdade ou difamação?
Fernandes lembra que a prática de divulgação de listas não é exatamente uma novidade. E há duas situação semelhantes, mas, ao mesmo tempo, bem distintas em que elas já ocorreram. A diferença, segundo ele, está no contexto social.
“Já vimos essa prática de criação dessas listas odiosas em duas situações parecidas: durante o nazismo, quando estabelecimentos judeus recebiam uma estrela de Davi na fachada, e durante o apartheid, quando negros não podiam frequentar os mesmos locais que brancos”.
Anos mais tarde, grandes marcas globais, principalmente do ramo da moda, também foram listadas com a intenção de que os consumidores deixassem de comprá-las. O motivo: eram acusadas de se aproveitar de mão de obra análoga à escravidão.
“Nestes casos, a manifestação das listas defendia uma questão ética, de direitos humanos. Não se tratava de um mero patrulhamento do direito de escolha de uma pessoa”, ele compara.
Boicote ao Choppão
A Justiça brasileira vem aprendendo a lidar com questões envolvendo o mundo digital. Para Fernandes, o registro de um compartilhamento desses pode ter o mesmo peso, durante um julgamento, que o registro de um ato “físico” praticado na porta do estabelecimento.
Essa responsabilização judicial é o que o empresário Fernando Quaresma, dono do restaurante Choppão – um dos mais tradicionais de Cuiabá -, diz já estar em busca. A empresa dele não apenas está na lista dos 25 estabelecimentos, como foi palco de um caso de violência verbal.
“Aquele vagabundo do Fernando do Choppão comendo dinheiro do agro (…) e o cara é petista extremista, lulista há 40 anos. Quando eu descobri isso, rapaz… ele escutou coisas de mim que, se ele fosse homem, ele reagia. Mas é vagabundo, é covarde”, revela o áudio de um homem não identificado.
Ao LIVRE, Quaresma disse que teve dificuldades para encontrar os responsáveis pela lista, mas que algumas pessoas envolvidas na divulgação do material já foram identificadas. “Estamos tomando as devidas providências judiciais”.
Sim, pessoas que apenas “repassaram” a lista para outros contatos podem ser punidas, afirma Suelme Fernandes.
“Se você perguntar para várias pessoas se elas sabem disso, provavelmente, a resposta da maioria será não. A internet é instantânea, mas o print é eterno e, nele, aparecem foto e número de telefone. Não é difícil identificar alguém assim”.
Amigos, amigos… negócios à parte
A situação como um todo incomoda o dono do Choppão, mas ele destaca um ponto específico: a mentira. Quaresma sustenta que, ao contrário do que afirmam as mensagens envolvendo sua empresa, não fez doações à campanha do presidente eleito, Luíz Inácio Lula da Silva (PT).
Uma situação compartilhada por várias das 25 empresas presentes na lista do boicote, afirma Frederico Parma. “Grande parte dessas empresas foi injustiçada”. Mas, ainda que fosse verdade, o publicitário enfatiza: é preciso separar os negócios da política.
“Um exemplo bem claro disso é o caso do Luciano Hang. Ele é um dos mais emblemáticos apoiadores do presidente Bolsonaro, mas não abriu mão que sua empresa, a Havan, anuncie na Rede Globo, a emissora considerada a arqui-inimiga dos bolsonaristas. Ou seja, até ele faz essa distinção entre negócios e política”.
O que fazer para reverter a situação?
E se toda essa situação pode ter algum viés positivo, para o advogado Suelme Fernandes é exatamente esse: a distinção entre negócios e política. Ele defende ser cada vez mais necessário que as empresas, não apenas adotem, mas tornem público o entendimento de que, no ambiente corporativo, não deve haver manifestações de natureza partidária.
Para quem está na lista e não sabe como agir, Frederico Parma orienta: a empresa precisa se manifestar sobre o assunto. As redes sociais são uma alternativa, mas outras, como anúncios na mídia, dependendo das condições financeiras, também devem ser consideradas.
“É complicado tentar convencer quem está cego de paixão, mas a marca não pode ficar inerte. A empresa precisa rebater, mostrar há quanto tempo está no mercado, ressaltar quantas famílias dependem do funcionamento dela para se manter e ressaltar que tudo isso é o que faz a economia do Estado, como um todo, girar”.
Fernando Quaresma fez isso. Além de ter procurado a Justiça, usou as redes sociais do Choppão para falar com seu público. “Temos 48 anos de história e sempre fomos um espaço democrático. O resultado disso é que recebemos muita solidariedade das pessoas”.