As serpentes que conhecemos hoje, com corpos alongados e deslizantes, nem sempre foram assim. Parentes próximas dos lagartos, elas surgiram há mais de 130 milhões de anos e, durante parte de sua história evolutiva, possuíam patas para se locomover.
A transformação até chegarem ao formato atual envolve mudanças profundas na estrutura óssea e no sistema visual, apontam estudos recentes.
De acordo com análises filogenéticas, pesquisas que buscam entender o caminho evolutivo das espécies, os primeiros ancestrais das cobras andavam sobre a Terra com o auxílio de membros anteriores e posteriores, como ainda fazem os lagartos, da mesma ordem Squamata. O que intriga os cientistas é a razão para esses membros terem desaparecido.
Duas hipóteses principais dominam o debate. A primeira sugere que a perda das pernas foi uma adaptação à vida subterrânea, em túneis e ambientes de pouca luz, onde membros poderiam atrapalhar.
A segunda aposta em uma origem aquática, com adaptações para a locomoção debaixo d’água. Nos últimos anos, a tese aquática tem perdido espaço, mas ambas se apoiam em um ponto em comum: a evolução dos olhos.
Segundo o biólogo Otávio Augusto Vuolo Marques, do Instituto Butantan, os olhos das serpentes funcionam de forma distinta dos lagartos. Enquanto os lagartos deformam o cristalino para focar, as cobras deslocam a lente para frente e para trás, mecanismo semelhante ao de alguns peixes. Essa diferença mostra como a pressão evolutiva moldou o olhar das serpentes em ambientes específicos.
Nos ambientes subterrâneos, a visão perdeu importância, tornando-se quase vestigial. Quando as serpentes retornaram à superfície, a seleção natural favoreceu os indivíduos que conseguiam enxergar melhor luz e sombra, o que aumentava as chances de escapar de predadores e capturar presas. Essa reconstrução visual ocorreu de forma diferente da dos lagartos, criando olhos com características únicas.
A transformação não parou por aí. Durante o processo evolutivo, todas as serpentes perderam a cintura escapular (ligada aos membros anteriores) e a maioria também perdeu a cintura pélvica (relacionada às patas traseiras). Algumas espécies, porém, ainda guardam vestígios desse passado: jiboias e pítons, por exemplo, apresentam pequenos esporões próximos à cloaca, usados pelos machos durante o acasalamento.
Esse fenômeno é chamado de diferenciação evolutiva: a partir de um ancestral com patas, surgiram linhagens distintas de serpentes, algumas sem vestígio algum de membros e outras com marcas discretas desse passado.
Entre aquelas que perderam totalmente a cintura pélvica, evoluíram crânios altamente móveis e dentição adaptada para inocular veneno um recurso que ampliou as possibilidades alimentares e garantiu o sucesso de espécies como jararacas e cascavéis.
Mais do que uma curiosidade, a história da perda das pernas mostra como as serpentes souberam se adaptar a diferentes pressões ambientais e conquistar nichos variados. Hoje, com cerca de 4 mil espécies catalogadas, elas são exemplo de como a evolução pode remodelar de maneira radical o corpo e os sentidos de um animal.

