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Viver valeu?

Digamos que você foi chamado a uma salinha extra vida para deixar instruções referentes ao seu pós-vida. Você vai pra salinha, conversa com alguém responsável pela produção dos acontecimentos. Importante: não há limites financeiros, mas há o limite da coerência. Se você é um profissional liberal, um psicanalista, um escritor normal – tirem daqui os geniais, bestsellers, Academia Brasileira de Letras ou do tipo, um escritor assim que mistura Academia Brasileira de Letra com “do tipo” na mesma frase, por exemplo, um eu da vida -, não vale pensar em velório em Biblioteca, Maracanã, Planetário, pelo amor de Deus, se enxergue. Rita Lee pode, pois genial. Eu me refiro mais a que roupa, enterro ou cremação?, guarda as cinzas ou joga fora?, no mar de onde? Caixão fechado ou aberto? Vai padre? Vai maquiagem? Tem música? Uma poesiazinha, talvez? Convida-se o povo da escola? Do trabalho? Lanche? Café? Uma pinguinha? Sabe assim? Tu ia dizer o que?

Quando eu era pequena, tinha uma fantasiazinha de velório. Tocava Viver, Amar, Valeu de Gonzaguinha e o povo se acabava de chorar. Mas não era numa caixinha JBL não, certo? Ia ser assim, uma coisa meio espontânea. Alguém dizia “mas a atitude de viver dela era uma extensão do coração, não era?”, aí um outro respondia “sim, muito mais do que um prazer, toda carga da emoção”. Daqui a pouco uns 3 diziam juntos “um encontro com o sonho que só pintava no horizonte…”. Até que
todos cantavam em coro “e abraça e arrebata a gente, é bom dizer VIVER VALEU”.

Lembrei disso porque acabei de ler o poema de James Westcott chamado Quando Marina Abramovic Morrer. Diz assim, “Na ocasião de minha morte, gostaria de receber a seguinte cerimônia memorial: três ataúdes. O primeiro ataúde com o meu corpo real. O segundo ataúde com uma imitação de meu corpo. O terceiro ataúde com uma imitação de meu corpo”. Ela vai contando das pessoas nomeadas para cuidar de cada um deles, de como um irá pra América, um pra Europa e o outro pra Ásia, da cerimônia em Nova Iorque, do banquete com um bolo de marzipã na forma e aparência de seu corpo, da música, de quem vai cantar a música, da proibição de se usar preto.

Eu não sei se a Marina Abramovic disse isso mesmo. Escolhi não pesquisar. Mas me aliviou imaginá-la imaginando. Deve ser um pensamento universal. É, não é? Enfim, gostei da ideia do marzipã, amo marzipã. No mais, já não quero a música do Gonzaguinha, caixão fechado pra ninguém se preocupar com roupa e maquiagem, cremação, joga as cinzas em um mar, qualquer mar, vai padre pra consolar minha mãe – se minha mãe já tiver morrido, nem precisa – música não, nem convidado
estranho do povo de casa, café e lanche, claro, pinga pra quem for de pinga e se quiser, pode ler essa de James Westcott. E tu, vai querer como?

 

Roberta D’Albuquerque é psicanalista, atende em seu consultório em São Paulo e escreve semanalmente no Gazeta Digital e em outros 17 jornais e revistas do Brasil, EUA e Canadá. E-mail: [email protected]

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