Por determinação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), alimentos vendidos no Brasil ganharam novos modelos de rótulos em outubro. Entre as mudanças, uma das mais importantes é a inclusão de um selo frontal com uma lupa. O ícone indica produtos com altos teores de açúcar, gordura saturada e sódio.
Especialitas afirmam, contudo, que esses teores definidos pela Anvisa – com base em um perfil nutricional específico – são mais brandos do que perfis nutricionais adotados por outros países da América Latina e do que o perfil recomendado pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
Com isso, o modelo brasileiro seria menos eficaz em identificar alimentos com presença de publicidade dirigida para o público infantil e que são nocivos à saúde das crianças. É o que concluem pesquisadoras do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP) em estudo publicado na “Frontiers in Nutrition” nesta semana.
Os brasileiros entendem os rótulos?
Assim como ocorre em diversos países, alimentos voltados para o público infantil no Brasil costumam ter ações de marketing na própria embalagem. Exemplos são a imagem de personagens infantis, de celebridades do esporte e alegações sobre crescimento e desenvolvimento.
Para testar a eficácia do perfil nutricional brasileiro em identificar nutrientes em excesso nestes produtos, as cientistas fizeram um experimento: analisaram cerca de 3,5 mil alimentos e bebidas de acordo com seis diferentes perfis nutricionais (Brasil, Chile. México, Uruguai, Peru e o modelo estabelecido pela Opas).
O resultado mostrou que 30% dos alimentos selecionados tinham pelo menos uma estratégia de marketing para o público infantil, e que 61% dos produtos eram alimentos ultraprocessados.
As bebidas adoçadas (como refrigerantes e sucos de caixa) tiveram a maior prevalência de marketing infantil no rótulo. Entre os diferentes perfis nutricionais analisados, os da Opas e do México foram os mais efetivos em identificar ao menos um nutriente crítico nos alimentos com presença de publicidade dirigida para crianças no rótulo.
O modelo brasileiro teve a pior performance: das bebidas ultraprocessadas, por exemplo, menos de 20% levariam o selo frontal da Anvisa.
Parece saudável, mas pode não ser
“A performance da nova rotulagem adotada no Brasil é preocupante, e mostra que o modelo pode não ser eficaz para o entendimento do consumidor sobre a saudabilidade do alimento, ainda mais quando tem a presença da publicidade reforçando sua compra”, diz Camila Borges, uma das autoras do estudo.
“A presença de marketing infantil desperta o desejo das crianças pelo produto. Ao mesmo tempo, a ausência de um destaque sobre teores inadequados de nutrientes como açúcar e sódio pode fazer com que o alimento pareça saudável, influenciando na decisão de compra dos responsáveis.”
A detecção da presença de açúcar foi o quesito com maior diferença entre os perfis nutricionais analisados: enquanto o modelo mexicano foi capaz de identificar teor inadequado em 81% das bebidas lácteas, por exemplo, com presença de publicidade voltadas ao público infantil, o modelo brasileiro identificou apenas 19%.
Para Borges, o perfil nutricional pode ser uma ferramenta importante para regular o marketing infantil em alimentos ultraprocessados altos em açúcar adicionado, gordura e sódio — caso isso venha a acontecer, o estudo aponta que será necessário revisar os patamares tolerados para os nutrientes críticos, bem como os critérios de elegibilidade para ampliar a lista de alimentos que devem receber selos frontais em formato de lupa.
“A regulação de alimentos ultraprocessados é de extrema importância, tendo em vista que a obesidade e o sobrepeso atingem uma em cada cinco crianças e adolescentes na América Latina, sendo uma das mais altas prevalências do mundo.”