Mato Grosso é o estado que mais cresce no Brasil, mas também um dos que mais expõem as contradições do desenvolvimento. Enquanto cidades do médio-norte colhem cifras bilionárias do agronegócio, outras sobrevivem do contracheque do funcionalismo público. A disparidade produtiva entre os municípios é o retrato da desigualdade regional que ainda separa o estado em dois ritmos: o das exportações e o da sobrevivência.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o valor da produção agrícola mato-grossense alcançou R$ 120,8 bilhões em 2024, mesmo após uma queda de 21% em relação ao ano anterior. O crescimento acumulado do PIB estadual nas últimas duas décadas é de 154,7%, o maior do país, mas essa prosperidade se concentra em poucos territórios.
Dezesseis vezes mais riqueza
em um mesmo estado
A diferença entre o município mais rico e o mais pobre de Mato Grosso revela um abismo produtivo que desafia a ideia de prosperidade igualitária.

Um levantamento feito a pedido do Primeira Página pela Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM), com base em dados do Radar Receita do Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE-MT), mostra que a dependência de repasses é a regra entre os pequenos municípios.
O estudo revelou que as transferências constitucionais, como o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), representam mais de 90% da receita total de 25 dos 142 municípios matogrossenses, o que representa quase 18% do estado.

As receitas próprias, formadas pelo Imposto Sobre Serviços (ISS), o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), não chegam a 10% da arrecadação em nenhum dos casos. Em Araguainha, por exemplo, apenas 1,9% da receita vem de impostos locais; o restante, 98,1%, é garantido por repasses estaduais e federais. O mesmo cenário se repete em Ponte Branca (2%), Reserva do Cabaçal (3%), Santo Afonso (3,5%) e Vale de São Domingos (3,5%).
A média dos municípios analisados indica que, a cada R$ 100 arrecadados, R$ 96 vêm de repasses constitucionais. Já nos polos agrícolas e urbanos, como Sorriso, Rondonópolis e Sinop, há maior autonomia tributária, com destaque para o ISS e o IPTU.
Segundo ele, apenas cerca de 25 municípios têm arrecadação própria suficiente para investir, enquanto mais de cem dependem quase integralmente dos repasses constitucionais. “Os prefeitos são verdadeiros guerreiros. É claro que ser prefeito hoje é difícil em qualquer lugar, mas nas menores é ainda mais desafiador, porque falta infraestrutura, logística e dinheiro para investir”, afirma.
Os números também escancaram o abismo produtivo. Em Campos de Júlio, o PIB per capita ultrapassa R$ 450 mil por habitante, um dos maiores do país. Em Araguainha, o menor município de Mato Grosso, o valor é de R$ 30,8 mil, uma diferença de 15 vezes.

Segundo o presidente da AMM, o contraste tem endereço certo: “Nós temos regiões muito ricas, como o eixo da BR-163, o médio-norte, o norte e o Vale do Arinos, com forte presença da agricultura e da agroindústria. Quando você pega Primavera do Leste, praticamente 100% da produção de milho é industrializada dentro do próprio município”, pontua Bortolin.
Mas há outras regiões, como o oeste e o noroeste, onde o avanço é travado por desafios logísticos e estruturais. “Você imagina um município como Cotriguaçu, que tem distrito a 120 quilômetros da sede e cerca de duas mil pontes de madeira”, exemplifica o presidente da AMM.
De acordo com o IBGE, Mato Grosso segue entre os estados com maior desigualdade produtiva interna, concentrando boa parte da riqueza em poucos polos agrícolas e industriais, enquanto dezenas de cidades continuam dependendo do contracheque público e das transferências constitucionais para sobreviver.
Municípios mais dependentes de transferências públicas em MT
Em 25 cidades, mais de 90% da arrecadação vem de repasses constitucionais como FPM, ICMS e IPVA.
| ????️ Município | ???? Dependência |
|---|---|
| Araguainha | 98,01% |
| Ponte Branca | 97,94% |
| Reserva do Cabaçal | 96,90% |
| Serra Nova Dourada | 96,86% |
| Novo Horizonte do Norte | 96,85% |
| Vale de São Domingos | 96,50% |
| Santo Afonso | 96,46% |
| Indiavaí | 96,40% |
| Luciara | 95,78% |
| Salto do Céu | 95,73% |
| Ribeirãozinho | 95,53% |
| São José do Povo | 95,35% |
| Figueirópolis D’Oeste | 94,84% |
| Novo Santo Antônio | 94,74% |
| Curvelândia | 94,72% |
| Porto Estrela | 94,60% |
| Alto Paraguai | 94,58% |
| Nova Brasilândia | 94,44% |
| Alto Boa Vista | 94,18% |
| Conquista D’Oeste | 93,68% |
| Glória D’Oeste | 93,54% |
| União do Sul | 92,92% |
| Santo Antônio do Leste | 92,54% |
| Denise | 92,24% |
| Nova Santa Helena | 91,72% |
Bilhões de um lado, contracheques do outro
Um levantamento divulgado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária em outubro de 2024 mostra como o mapa do agronegócio brasileiro tem em Mato Grosso o seu epicentro.
Com base na pesquisa anual do IBGE sobre Produção Agrícola Municipal, o estudo revela que 36 dos 100 municípios mais ricos do campo estão em território mato-grossense. Juntos, esses municípios somam quase um terço de toda a riqueza agrícola do país.

À frente do ranking aparece Sorriso, com R$ 8,3 bilhões em valor de produção, seguido por Sapezal (R$ 7,5 bilhões), Campo Novo do Parecis (R$ 7,1 bilhões) e Diamantino (R$ 5,9 bilhões).
Esses quatro sozinhos respondem por quase 10% de tudo o que o Brasil colhe, impulsionados principalmente por soja, milho e algodão, cultivos que transformaram a paisagem do Cerrado em um dos polos agrícolas mais potentes do planeta.
Mas a poucos quilômetros dali, a realidade se inverte. Em cidades como Araguainha, Alto Araguaia e Ribeirãozinho, o motor da economia é o poder público. O salário dos servidores movimenta o comércio, mantém as escolas abertas e garante a circulação de dinheiro local.
O presidente da AMM resume o contraste. “É um estado rico, mas de municípios pobres. A riqueza se concentra em poucas cidades e o restante vive de repasses”. Segundo ele, apenas cerca de 25 municípios têm arrecadação própria suficiente para investir, enquanto mais de 100 dependem dos repasses constitucionais.
“Nós temos aí uma parte, de 25 municípios que têm receita própria e conseguem ter recurso para investimento. Mas a grande parte das prefeituras de Mato Grosso são prefeituras muito pobres, que sobrevivem dos repasses constitucionais. Os prefeitos e prefeitas são verdadeiros guerreiros, porque é claro que ser prefeito hoje é difícil em qualquer cidade, mas nas menores é ainda mais desafiador, porque falta infraestrutura, logística e dinheiro pra investir”, disse.

Em Campos de Júlio, o PIB per capita ultrapassa R$ 450 mil por habitante, um dos maiores do país. Em Araguainha, o menor município do estado, o valor é de R$ 30,8 mil. O abismo entre um e outro é de 15 vezes.
“Nós temos regiões muito ricas, como o eixo da 163, o médio-norte, o norte e o Vale do Arinos, que têm aptidão para agricultura e agroindústria. Quando você pega a região de Primavera, praticamente 100% da produção de milho é industrializada dentro do município, na sua cadeia completa. Agora, nós temos regiões como o oeste e o noroeste, com muitos desafios. Você imagina um município como Cotriguaçu, que tem distrito a 120 quilômetros da sede e cerca de duas mil pontes de madeira”, afirma.
De acordo com os dados mais recentes do IBGE, referentes ao PIB dos Municípios de 2021 e divulgados em dezembro de 2023, Mato Grosso segue entre os estados com maior desigualdade produtiva interna, concentrando boa parte da riqueza em poucos polos agrícolas e industriais. 
Além disso, Mato Grosso deve liderar o crescimento econômico do Brasil em 2025, com uma projeção de alta de 6,6% no Produto Interno Bruto (PIB), desempenho três vezes superior à média nacional, estimada em 2,2%, segundo o mais recente boletim de Assessoramento Econômico do Banco do Brasil.
O avanço confirma o protagonismo mato-grossense no cenário nacional em meio à desaceleração do país e reforça a força de sua economia, sustentada principalmente pelo agronegócio, pela indústria ligada à produção agropecuária e pelo crescimento do setor de serviços, especialmente nas áreas de transporte e armazenagem.

